IZOLDA E SEU PERFIL

Ao dar inicio a descrição do meu retrato, fui pega de surpresa, pela minha imaginação, ao perguntar sobre qual dos perfis afloraria com mais espontaneidade: uma Izolda adulta ou a Izolda na terceira idade?

Qual não foi minha surpresa quando a resposta encontrada não estava na primeira nem na segunda vertente. Situava-se em ambas. Sim, porque para delinear um perfil de hoje, tenho que juntar retalhos do ontem. Portanto, aqui vai um pouco da Izolda que já foi, da Izolda do hoje em perspectiva do amanhã.

Meu estereótipo ocupa lugar comum entre boa parte da mulher nordestina: sou morena clara – resultante da miscigenação de duas raças que formam as etnias brasileira - com olhos e cabelos castanhos (se bem que a cor clara dos cacheados, hoje, é por conta da tintura que esconde os brancos) e o físico delgado, traduzindo o cuidado com alimentação saudável e exames médicos periódicos, reúnem os traços e a busca de uma melhor qualidade de vida. Apesar de gostar muitíssimo de chocolate amargo- não fora minha idade, seria uma chocólatra assumida! Tenho um excelente apetite para deliciosas tortas, bolos e várias guloseimas, mas fico sempre atenta aos tipos de alimentos que são importantes para a saúde: gosto muito de verduras cruas, de peixes, de carne de sol, especialmente a paçoca – feita no pilão como fazia Mãezinha-, não gosto de carne vermelha, nem de molho de tomate, o sal é bem comedido e tomo bastante água. Ainda sobre esse aspecto de minha vida, já faz algum tempo que adoto a prática de caminhar regularmente durante uma hora e de segunda a sexta-feira. Também há uns dois anos, venho exercitando a prática da Yoga, duas vezes por semana na UFRN.

Sou a 4ª filha (na ordem decrescente) de uma família de dez irmãos (hoje, oito vivos) com uma excelente união entre todos - relação pouco comum em se tratando de família numerosa - : nos comunicamos com regularidade, nos apoiamos nos momentos difíceis, nos reunimos nas datas comemorativas e nos encontramos (mães, filhos e netos) quase todos os finais de semana na granja “Recanto Ecológico Ana Rita” de minha irmã Evangelina e meu cunhado Arildo.

Nasci aos 27 dias do mês de abril. Sou taurina. E, pela astrologia, trago a beleza da fidelidade, a doçura dos apaixonados e a fortaleza e valentia dos leões. Ser fiel a valores, crenças e atitudes e também aquelas pessoas que moram no meu coração fazem com que assuma posições por vezes um tanto radicais, levando-me cair em extremos; a respeito da paixão – esse limite entre a loucura e a sanidade - eu diria que, ser movida pelos sentimentos do coração, tem me trazido muita energia mas por outro lado também tem me colocado em cada aperto! ... ; sobre a valentia e a fortaleza posso afirmar que foram, e continuam sendo, os baluartes na minha trajetória de vida. Por conseguinte, essas características interiores expressam, em cada uma delas, a existência do contraditório, do oposto, do divergente que acompanha a minha caminhada sexi, digo sexagenária.

Convivi, quando criança, com uma tia bastante velhinha - tia Joaquina, assim eu a chamava - que me ensinou a ser uma menina mais sensível e preocupada com as camadas sociais que sempre estão em dificuldades, que usufruem pouco ou quase nada dos seus direitos humanos, culturais e sociais. Eu me acostumei a freqüentar ambientes e a conviver com pessoas cuja condição social era bem mais inferior do que a minha – filha de médico que morava em Areia Branca, uma cidade do interior do RN. Tia Joaquina morreu entrevada em uma cama, coitadinha...dependente das pessoas para tudo. Lembro-me de que ela passava nas articulações sebo de carneiro capado para melhorar as dores nas “juntas”, dizia ela.

Mas essa retrospectiva familiar é para dizer que também aprendi com tia Joaquina a sentir um carinho todo especial pelas pessoas idosas, a ter uma sensibilidade que consegue enxergar o outro e que, com o passar do tempo, não perdi esse sentimento pois ele foi canalizado para questões políticas mais amplas: fiz parte da JEC (Juventude Estudantil Católica), fui presidente de Grêmio Estudantil; ativista política do PCBR. Hoje sinto que essa sensibilidade está envolta em mais racionalidade do que em idealismo. Digamos que esse olhar o outro foi se cobrindo de maturidade que arrastou consigo uma Izolda menos rígida, menos dogmática em seus princípios, mais aberta às diferenças, respeitando mais o pensamento e posições do outro; parece também que estou mais permissiva comigo mesma, um pouquinho menos exigente quando tenho que buscar na memória, justificativas ou explicações para entender emoções, aceitar limites, tomar decisões, quando preciso chorar, brincar...Todo esse conjunto de sentimentos e valores (novos ou reconstruídos) estão me fazendo uma pessoa melhor, mais descontraída, deixando aflorar carinhos reprimidos ou não aprendidos, procurando aceitar mais as facetas adversas que vão dando forma ao dia a dia, isto é, estão me fazendo uma pessoa mais contente com a vida.


E os meus temores? De que eu tenho medo? Dentre as várias mudanças trazidas com o processo terapêutico, está um privilégio - quase no mundo do irreal! - a superação do medo, ou melhor, do pavor à barata! Chegava a desmaiar de tanto asco daquela coisa tão nojenta, fazendo uma zuada que a denuncia em qualquer circunstância e em qualquer lugar, que provocava em mim, tanto descontrole e tanto desfalecimento emocional! Hoje, consigo matá-la, até mesmo com minha chinela e sinto uma satisfação imensurável quando isso acontece, mesmo se ela já estiver morta por alguém, minha felicidade, ao matá-la outra vez, assume uma versão pouco compreensível!!! Que outros medos me perseguem ou me acompanham? Quais deles, já superei? Dirigir carro. Na verdade, esse não se constituía em um medo, era muito mais um não gostar, um desprazer em ter que estar no volante. Hoje, não é que eu sinta satisfação em dirigir, mas fico quase que completamente serena, controlada, calma e segura ao dirigir – o que não significa dizer que esse ato me deixe feliz!

E, medo à solidão? Interessante: mesmo quando estive presa durante dois anos na penitenciária Joao Chaves (hoje, demolida) no período do regime militar, sozinha em uma cela; mesmo quando estou em casa, sem a companhia física de outra pessoa, o sentimento de estar só, de ficar só, não me traz vazio. É como se eu não me sentisse sozinha, é como se eu estivesse acompanhada, é uma certeza de que sempre tenho alguém comigo. Acho que tenho medo de me aposentar da universidade. Mas esse sentimento está bem conhecido dentro de mim: o temor é de me ver improdutiva, sem ter trabalho para desenvolver, sem ter em que me ocupar, especialmente no campo intelectual. E, para que a aposentadoria seja um privilégio tenho que pensar em um novo projeto de vida, bem diferente de um projeto de vida aposentada!

A Izolda mãe – após sair da prisão, um grupo de amigos (conhecidos e desconhecidos!) providenciaram tudo para eu ir morar em Lima(Peru). Lá me casei com Oscar – um peruano ligado a um grupo de esquerda. Com ele tive uma filha Jussara Kiya e um filho Ernesto. Jussi é bióloga (com graduação na UFRN e mestrado pela UNICAMP (Campinas – São Paulo). Hoje ela mora nos EUA, é casada com David, um norte-americano, descendente de norueguês, com quem tem uma filha Natalia Luella(com nove anos);e dois filhos Asle, com sete anos e Carl com quatro. Ernesto teve também sua graduação pela UFRN, no curso de Engenharia Mecânica e é engenheiro na PETROBRAS. Ele é casado com Ana Paula e tem dois meninos: Arthur e Enzo com quatro e um ano e seis meses, respectivamente. Aninha é de uma família do serido(Curais Novos), é muito cuidadosa com os filhos, muito competente como dona de casa e cozinha maravilhosamente! Depois de morar em diferentes estados brasileiros, Ernesto conseguiu transferência para Natal. Que felicidade!!Pelo menos tenho o privilegio de usufruir do contato real com dois dos meus cinco netos!

E, Izolda com seus amigos e suas amigas? Não tenho facilidade para fazer amizades. Hoje, estudos e pesquisas apontam para a descoberta de uma “inteligência emocional” e é lamentável constatar como a escola e a academia, (instituições de ensino formal), em sua quase totalidade, só desenvolvem nos alunos a inteligência intelectual, a cognitiva. A inteligência emocional é soterrada, é alijada do processo de construção do conhecimento. Você faz vários cursos de aperfeiçoamento, de qualificação na área de saberes teóricos, mas dificilmente você escuta alguém comentar que está fazendo um curso de aperfeiçoamento sobre os sentimentos, sobre desenvolver-se melhor como pessoa. No campo da amizade me considero bastante privilegiada: é muito importante ter amigos, pessoas com as quais se pode confiar, chegar (a qualquer hora), conversar, e até brigar!

O que me traz alegrias, hoje? Um telefonema de Jussara(minha filha), conversando sobre suas crianças, meus netos Natalia, Asle e Carl e também saber que David está bem no trabalho, que ela e ele continuam felizes em sua união matrimonial. Fico muito contente quando vou para casa de Ernestinho e conversamos, após umas tacas de vinho e de suas cervejas. Adoro brincar com Arthuzinho e Enzo e quando eles vêm para meu apartamento! É impressionante como brincar e cuidar deles me traz felicidade! Existe uma passagem no livro “O pequeno príncipe” que diz: “se você vem as quatro, desde uma eu já começo a ser feliz”.

Também gosto muito quando estou com a turma da batucada, tocando e tomando vinho. É verdade, eu faço parte de um conjunto musical denominado “Os miseráveis do ritmo”, no qual toco afoché e ganzá, e os outros componentes tocam violão, pandeiro, afoché, cavaquinho e tantán. Há também agregados que cantam, muito bem, por sinal. Jogar baralho – buraco - é uma diversão que também me traz contentamento....Ler livros (que não sejam técnicos) é uma das atividades que me faz bem! Jogar paciência no computador, fazer palavras cruzadas, sokudo estão dentro das atividades que eu gosto de fazer quando quero estar desacompanhada..

Enfim, estes são os perfis de uma sexy sagenária cercada de privilégios!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

POEMA SEM A LETRA U

UMA SAUDADE